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sábado, 24 de outubro de 2009

Texto interessante sobre a leitura de clássicos

Clássicos: ontem, hoje, sempre

“Clássico não é um livro antigo e fora de moda. É livro eterno que não sai de moda.”

(Ana Maria Machado, Como e por que ler os clássicos universais desde cedo)

O QUE FAZ UM LIVRO SER UM CLÁSSICO?

A primeira resposta a essa pergunta é: o tempo. Um clássico é um texto antigo que, na verdade, sobreviveu ao tempo por apresentar leituras mais amplas dos que as feitas por seus leitores contemporâneos. Milhares de personagens povoaram as páginas dos livros escritos no século XIX, por exemplo, mas recordamos apenas alguns nomes como Sherlock Holmes, símbolo do detetive investigativo, Phileas Fogg, o apostador inglês que aceita fazer uma volta ao mundo com a tranquilidade de quem serve o chá em seu clube, ou Heathcliff, o modelo do amor selvagem que desafia o além e a eternidade, num texto vibrante como o de O morro dos ventos uivantes. Esses personagens desligaram-se de seus autores – Conan Doyle (1859 – 1930), Júlio Verne (1828 – 1905) e Emily Bronte (1818 – 1848 , respectivamente – para se eternizar na memória dos leitores de todos os recantos do mundo.
Um bom texto é aquele que seduz os seus leitores, mas um clássico é aquele que seduz a posteridade. Um livro bem escrito nos apresenta personagens densos – gente “de carne e osso” mais do que gente “de papel” - que não agem assim ou assado por intenção do autor, mas tomam o destino nos dedos e fazem acontecer. Porém, para que esses personagens ganhem a dimensão de clássicos, devem transcender a própria realidade momentânea, devem dialogar com novas gerações além das próprias limitações da sua época e até da motivação dos autores.
Um exemplo: é sabido que Jonathan Swift (1667 – 1745) escreveu Viagens de Gulliver com a intenção de criticar a política de seu tempo, por meio de símbolos e ironias. Ora, mas qual leitor hoje vai exclusivamente procurar elementos de crítica social nos seres liliputianos ou gigantescos, encontrados pelo tal Gulliver em suas andanças? Temos muito mais interesse em acompanhar as aventuras de um homem comum em terras maravilhosas do que em localizar aqui e ali a caricatura de um determinado político britânico.

POR QUE LER OS CLÁSSICOS HOJE?

Porque histórias e personagens clássicos alimentaram e alimentam nossa imaginação. Porque é injusto deixar um jovem leitor ignorante das fontes básicas da nossa literatura e até de valores culturais que se popularizaram muito além das páginas dos livros onde nasceram. Porque um texto clássico, até para ganhar esse rótulo, sempre tem uma boa história. Tem personagens muito expressivos. É sedutor. Enfim, pode ser bem gostoso de se conhecer e ler!
Personagens e enredos clássicos se tornam tão populares que muitas vezes ultrapassam o próprio contexto em que surgiram, nomeando comportamentos e objetos bem diversos. Por exemplo: quem nunca ouviu o termo “quixotesco”, utilizado para qualificar uma atitude ou idéia fantasiosa ou irreal? Ou então: qual brasileiro desconhece que “Romeu e Julieta” é o nome da saborosa sobremesa que junta queijo com goiabada, dois “rivais culinários” que se complementam amorosamente? A pessoa pode jamais ter lido Cervantes (1547 – 1616) ou Shakespeare (1564 – 1616) em sua vida, mas é quase certo que conheça os rudimentos das histórias dos personagens criados por eles. Sabe que Dom Quixote era um sonhador, um homem que se acreditava um cavaleiro pronto para atacar moinhos de vento, imaginando que fossem perigosos gigantes. Ou que os Montecchio e os Capuleto eram famílias rivais que impediram a união de seus filhos apaixonados, Romeu e Julieta, levando-os a uma atitude extremada.
Muitas das referências culturais de hoje, tão populares, vieram dessas histórias clássicas. Tomar contato com elas é um modo de alimentar nossa curiosidade, conhecimento e sabedoria.

TRADUZIR, TRANSCREVER OU SEDUZIR?

Acredito que, para popularizar os clássicos, não se pode ser nem purista nem ranzinza. Há que entender as mudanças dos tempos e ser realista diante das habilidades leitoras dos jovens e crianças de nossos dias. Afinal, estilo, vocabulário, descrições de lugares, roupas e costumes variam bastante. E se nos ativermos de maneira muito detalhada a esses elementos, corremos o risco de perder uma boa história por apego excessivo ao supérfulo, àquilo que dificulta ou atrapalha a leitura nos dias atuais, ainda mais para um leitor jovem ou pouco familiarizado com recursos da época.
Vamos a um exemplo: numa perspectiva literária, o enredo de Os três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas (1802 – 1870), certamente atrai o leitor comum de hoje, com os heróis espadachins defendendo sua honra em duelos arriscados e resolvendo as intrigas do palácio real, mas as 500 páginas do livro, com descrições minuciosas de batalhas e trajes festivos, são mais adequadas à leitura de um pesquisador do que a de um fã de aventuras.
Além disso, se estamos falando de clássicos estrangeiros, temos diante de nós, leitores brasileiros contemporâneos, o árduo caminho do idioma original em que essas obras foram escritas. Então numa expectativa “quixotesca”, o jovem leitor ideal deveria ler os clássicos em versão integral, no idioma de origem. Ou isso, ou ficar na ignorância!
Ora, acredito que é melhor um jovem conhecer as características gerais de uma boa obra ou de um personagem clássico, mesmo que em um livro mais sintético e em estilo mais compatível a seu nível de leitura,do que permanecer na ignorância em relação a sentimentos, ícones ou símbolos de nossa cultura.
Ou como nos diz Ana Maria Machado, no mesmo ensaio do qual se extraiu a epígrafe deste artigo: “o primeiro contato com um clássico, na infância e na adolescência, não precisa ser com o original. O ideal mesmo é uma adaptação bem-feita e atraente”. Um bom tradutor ou adaptador pode então resgatar um livro para as futuras gerações! Até porque isso já vem sendo feito em outros veículos, como o cinema e a TV, que adaptam os livros para filmes ou programas, mas não “destroem” a possibilidade de o espectador também tomar contato com a história impressa, vindo a se tornar um leitor. Eventualmente, um jovem que leu uma adaptação de Os irmãos coragem, por exemplo, pode se interessar pela grandiosa obra de Alexandre Dumas e lê-la detalhadamente quando adulto. A adaptação teria aqui a função de isca lançada ao leitor, para que este seja “fisgado” posteriormente para o mar dos grandes e saborosos peixes das boas leituras.

Marcia Kupstas - escritora

2 comentários:

prizocrato disse...

Querida,

isso é uma transcrição do texto da moça, uma ligeira resenha ou algo escrito por vc?
Não conhecia autores que falavam da importância dos clássicos para os teens...

bj bj

M. Mi disse...

A Márcia Kupstas é uma escritora infanto-juvenil e foi ela quem escreveu esse texto ótimo! Estava em um catálogo de uma editora e resolvi colocá-lo aqui!

bjim